Januário da Cunha Barbosa
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∭
“Procura (…) ressuscitar também as memórias da pátria da indigna obscuridade em que jaziam até agora.” (Alexandre de Gusmão, na fala à Academia Real da História Portuguesa)
1. Não se compadecia já com o gênio brasileiro, sempre zeloso da glória da pátria, deixar por mais tempo em esquecimento os fatos notáveis da sua História, acontecidos em diversos pontos do império, sem dúvida ainda não bem designados. Eis o motivo, senhores, porque dois membros do Conselho da Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional, e também sócios do Instituto Histórico de Paris, participando dos generosos sentimentos dos nossos literatos, se animaram propor a fundação de um Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, que sob os auspícios de tão útil quanto respeitável sociedade, curasse de reunir e organizar os elementos para a História e Geografia do Brasil, espalhados por suas províncias, e por isso mesmo difíceis de se colher por qualquer patriota que tentasse escrever exatamente tão desejada História. Esta proposta, vós o sabeis, senhores, foi coroada do mais feliz sucesso e de uma geral aprovação, como se esperava do patriotismo e amor das letras que animam os beneméritos membros da Sociedade Auxiliadora.
2. Eis-nos hoje congregados para encetarmos os trabalhos do proposto Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, e desta arte mostrarmos às nações cultas que também prezamos a glória da pátria, propondo-nos concentrar, em uma literária associação, os diversos fatos da nossa história e os esclarecimentos geográficos do nosso país, para que possam ser oferecidos ao conhecimento do mundo, purificados dos erros e inexatidões que os mancham em muitos impressos, tanto nacionais como estrangeiros.
3. Basta atendermos ao que diz Cícero sobre a História, para conhecermos logo as vantagens que se devem esperar de um Instituto que dela particularmente se ocupe, e composto de homens os mais conspícuos por suas letras e por suas virtudes. Escreve aquele filósofo romano:
A História é a testemunha dos tempos, a luz da verdade e a escola da vida.
Por esta judiciosa doutrina bem facilmente se conhece quão profícua deve ser a nossa associação, encarregada, como em outras nações, de eternizar pela História os fatos memoráveis da pátria, salvando-os da voragem dos tempos e desembaraçando-os das espessas nuvens que não poucas vezes lhes aglomeram a parcialidade, o espírito de partido, e até mesmo a ignorância. Oxalá não tivéssemos nós infinitas provas desta verdade em tantas obras, mormente estrangeiras, que correm o mundo! O nosso silêncio, repreensível de certo em matéria que tanto afeta a honra da pátria, tem dado ocasião a que os historiadores uns de outros se copiem, propagando-se por isso muitas inexatidões, que deveria, ser imediatamente corrigidas.
4. O coração do verdadeiro patriota brasileiro aperta-se dentro no peito quando vê relatados desfiguradamente até mesmo os modernos fatos da nossa gloriosa independência. Ainda estão eles ao alcance das nossas vistas, porque apenas dezesseis anos se têm passado dessa época memorável da nossa moderna História, que acrescentou no Novo Mundo um esperançoso império ao catálogo das nações constituídas, e já muitos se vão obliterando na memória daqueles a quem mais interessam, só porque têm sido escritos sem a imparcialidade e necessário critério, que devem sempre formar o caráter de um verídico historiador.
5. Não é meu intento, senhores, apontar-vos agora os erros de que estão saturadas muitas obras sobre o Império do Brasil. Esta honrosa tarefa será de certo empreendida pelos membros do nosso Instituto: ela oferece um campo vastíssimo à investigação daqueles sócios que conhecem a necessidade de remediar os males dali provindos. Talvez me fosse mais desculpável deplorar a nossa fria indiferença sobre pontos de tanto interesse à glória nacional; mas não cabe no abreviado quadro deste mal ordenado discurso a discussão de matéria que me levaria a longo desenvolvimento. Começamos hoje um trabalho que, sem dúvida, remediará de alguma sorte os nossos descuidos, reparando os erros e enchendo as lacunas que se encontram na nossa História. Nós vamos salvar da indigna obscuridade, em que jaziam até hoje, muitas memórias da pátria, e os nomes de seus melhores filhos; nós vamos assinalar, com a possível exatidão, o assento de suas cidades e vilas mais notáveis, a corrente de seus caudalosos rios, a área de seus campos, a direção de suas serras, e a capacidade de seus inumeráveis portos. Esta tarefa, em nossas circunstâncias, bem superior às forças de um só homem ainda o mais empreendedor, torna-se-á fácil pela coadjuvação de muitos brasileiros esclarecidos das províncias do império, que atraídos ao nosso Instituto pela glória nacional, que é o nosso timbre, trarão a depósito comum os seus trabalhos e observações, para que sirvam de membros ao corpo de uma História geral e filosófica do Brasil. As forças reunidas dão resultados prodigiosos; e quando os que se reúnem em tão nobre associação aparecem possuídos do mais acendrado patriotismo, eu não duvido preconizar um honroso sucesso à fundação do nosso Instituto Histórico Geográfico.
6. A nossa História, dividindo-se em antiga e moderna, deve ser ainda subdividida em vários ramos e épocas, cujo conhecimento se torne de maior interesse aos sábios investigadores da marcha da nossa civilização. Ou ela se considere pela conquista de intrépidos missionários, que tantos povos atraíram à adoração da cruz erguida por Cabral neste continente, que lhe parecia surgir do sepulcro do Sol; ou pelo lado das ações guerreiras, na penetração de seus emaranhados bosques, e na defesa de tão feliz quanto prodigiosa descoberta, contra inimigos extremos invejosos da nossa fortuna; ou finalmente pelas riquezas de suas minas e matas, pelos produtos de seus campos e serras, pela grandeza de seus rios e baías, variedades e pompas de seus vegetais, abundância e preciosidade de seus frutos, pasmosa novidade de seus animais, e finalmente pela constante benignidade de um clima, que faz tão fecundos os engenhos de nossos patrícios como o solo abençoado que habitam; acharemos sempre um tesouro inesgotável de honrosa recordação e de interessantes ideias, que se deve manifestar ao mundo em sua verdadeira luz.
7. Não tem faltado escritores que se dessem ao trabalho de recomendar à posteridade muitos desses fatos, que são lidos em todos os tempos com justa admiração; mas, espalhados por um tão vasto território como este em que agora o Brasil assenta o seu trono imperial, eles mais escrevem histórias particulares das províncias que uma História geral, encadeados os seus acontecimentos com esclarecido critério, com dedução filosófica, e com luz pura da verdade. Ah! Se ainda assim mesmo tantos escritos de ilustres brasileiros fossem dados à luz pública, ou conservados em arquivos, para que a posteridade deles se aproveitasse, talvez que então se pudesse realizar em parte a doutrina de Cicero, quando chama a História testemunha dos tempos.
8. Mas, por desgraça nossa, apesar do nosso patriotismo, temos visto, e continuamos a ver, sepultarem-se muitos escritores de mérito como abraçados com as suas produções literárias. A ignorância ou descuido de seus herdeiros as entrega logo à voragem dos anos: seus nomes vagueiam por algum tempo sobre as suas campas, até que de todo se esvaecem, perdendo-se até mesmo a notícia dos lugares em que estes escritores nasceram ou honraram por suas gloriosas fadigas.
9. Nem pouco influiu para esta lamentável falta de publicação das coisas da pátria o triste fado que sobre nós pesará por mais de trezentos anos, sendo obrigado a mendigar o favor dos tipos da metrópole, não se nos consentindo assentar uma imprensa nesta então colônia. O intolerante monopólio, mola principal da administração portuguesa, nos tempos do absolutismo, e com especialidade a respeito do Brasil, estendia-se também à publicação dos escritos dos nossos literatos, e por isso ou morriam em gabinetes particulares sem verem a luz da estampa, ou eram tão mutilados, para que se acomodassem ao sistema de seu monopólio, com a água tomando a forma do vaso que enche, que pareciam como ideias destacadas, não podendo servir bem de elementos para a História geral brasileira. O que digo, senhores, confirma-se bem claramente pelo ato do governo português, em meio do século passado, mandando destruir a única imprensa brasileira levantada por Antonio da Fonseca nesta cidade, da qual havia saída impressa, com data de 1747, a Relação da entrada que fez o bispo D. Fr. Antonio do Desterro Malheiro, escrita pelo juiz de fora Luiz Antonio Rosado da Cunha; e sabe-se que dela também saíra, disfarçado com o título de impressão de Madrid, o livro Exame de bombeiros. Tais eram as cautelas que esse industrioso, patrocinado pelos jesuítas, empregava em prol da sua oficina, que todavia não escapou à violenta espada da destruição.
10. Nos tempos da passada monarquia os escritos brasileiros, que assim então se publicavam, punham a glória de seus autores em comunhão com a dos portugueses; e como por tantas dificuldades eram em muito menor número, ficavam absorvidos pelo crédito literário da metrópole, que bem pouco refletia sobre o Brasil. Quem examina a volumosa Biblioteca Lusitana do abade Barbosa, encontra ali os nomes de alguns brasileiros preclaros, que provaram, por seus escritos em diversos ramos, gênio fecundo e amor das letras. Pertence agora ao nosso Instituto, ou ao zelo de cada um de seus ilustres membros, extremar essa herança preciosa, que pertence ao Brasil, e que nos pode servir na organização da sua História geral. De todos esses materiais informes, incompletos, e mesclados dos prejuízos do tempo, poderemos formar um completo regular de fatos, purificados no crisol da crítica. O talento de historiador, diz o barão de Barante, assemelha-se à sagacidade do naturalista, que com pequenos fragmentos de ossos, colhidos de escavações, como que ressuscita um animal, cuja raça desconhecida existia em plagas que sofreram cataclismos. A vida moral tem suas condições e suas leis; compõe-se também de circunstancias ligadas por meio de ralações quase necessárias; a filosofia pode reconhecê-las e demonstrá-las; e a imaginação, com mais celeridade e certeza, saberá então delas assenhorear-se. A razão do homem, sempre vagarosa em sua marcha, necessita de um guia esclarecido e seguro, que acelere os seus passos. O talento dos historiadores e dos geógrafos é só quem pode oferecer-nos essa galeria de fatos, que, sendo bem ordenados por suas relações de tempo e lugar, levam-nos a conhecer na antiguidade a fonte de grandes acontecimentos, que muitas vezes se desenvolverão em remoto futuro. A História seria, portanto, incompleta, descoberta e árida, se ocupando-se unicamente de resultados gerais, por uma mal-entendida abstração, não colocasse os fatos no teatro em que se passaram, para que melhor se apreciem pela confrontação de muitas e poderosas circunstâncias que desembaracem a inteligência dos leitores. A sorte geral da humanidade muito nos interessa, e nossa simpatia mais vivamente se abala quando se nos conta o que nos precederam na cena do mundo: é isso o que falta à nossa imaginação, é isso o que ressuscita, por assim dizer, a vida do passado, e que nos faz ser presentes ao espetáculo animado das gerações sepultadas. Só desta arte a História pode nos oferecer importantíssimas lições; ela não deve representar os homens como instrumentos cegos do destino, empregados como peças de um maquinismo, que concorrem no desempenho dos fins do seu inventor. A História os deve pintar tais quais foram na sua vida, obrando em liberdade, e fazendo-se responsáveis por suas ações. A Providência, é verdade, faz muitas vezes sair o bem do seio do mal, a ordem das turbulências da anarquia, e a liberdade dos terrores do despotismo; mas, é força dizê-lo, Srs., estes caminhos não estão ao nosso alcance; os caminhos do homem são traçados pelos seus deveres, e aos olhos da Musa severa da História o crime sempre deve ser crime.
11. Conduzido por estas reflexões do barão de Barante, não posso deixar de acrescentar-lhes a expressão dos nobres sentimentos de Plínio o moço, escrevendo a Tácito sobre a desastrosa morte de seu tio. “Quanto a mim”, diz a este filósofo, “considero igualmente beneméritos aqueles a quem os deuses têm concedido o dom ou de fazer coisas dignas de serem escritas, ou de escrever coisas dignas de serem lidas; e muito mais beneméritos ainda os que favorecem o exercício destas duas preciosas faculdades”. E se mais pudesse eu acrescentar a tão animador pensamento, dissera, com o nosso literato patrício Alexandre de Gusmão, que a História é um fecundo seminário de heróis.
12. A prossecução do meu discurso me faz chegar a um ponto que, designando bem claramente a grande utilidade que se pode colher dos estudos históricos e geográficos, marca por isso mesmo uma época gloriosa em nossa pátria, da qual se descobre a honrosa estrada que podem melhor seguir aqueles dos nossos patrícios em cujos peitos palpitam corações animados pelo amor da glória literária. Eles, de certo, farão o melhor uso dos seus estudos sobre a História da pátria, expurgada de tantos erros, enriquecendo os seus espíritos de conhecimentos interessantíssimos, que lhes sirvam nos empregos a que forem chamados pelos votos dos seus concidadãos. Da combinação dessas ideias, assim adquiridas, nascerão princípios de que deduzam novos conhecimentos, que ilustrem a carreira de sua vida, tornando mais profícuos os seus serviços em benefício da pátria. Não duvidamos, Srs., que as melhores lições que os homens podem receber lhes são dadas pela História. Por isso que a virtude é sempre digna da veneração pública, a glória abrilhanta os honrados cidadãos, ainda mesmo quando pareçam haver sucumbido aos golpes da inveja e da intriga dos maus; a justiça que a posteridade lhes faz, salvando seus nomes e seus feitos de um injusto esquecimento, é forte estímulo para uma patriota emulação. Os crimes, posto que seguidos de um sucesso aparentemente feliz não deixam de ser detestáveis no tribunal da História, se a imparcial pena de sábios os descreve em sua verdadeira luz. O circunspecto gênio do historiador, sentando-se sobre a tumba do homem, que ali termina as suas fadigas, despreza argumentos de partido e conselhos de lisonja, portando-se em seus juízos como austeros sacerdotes da verdade. A fama dos grandes homens, rompendo as trevas da antiguidade, tem chegado a nós com os documentos de seus méritos acrisolados pela História: ela assim premia a virtude muitas vezes perseguida, restituindo à veneração dos homens a memória daqueles que dela se fizerem dignos.
13. Porém, senhores, se em geral são estas as vantagens da História, quais não serão ainda as do nosso país, se o amor da glória nacional nos levar a depurá-la de suas inexatidões, e a escrevê-la com essa atilada crítica que deve formar o caráter de um verdadeiro historiador? E será pouco arrancar do esquecimento, em que jazem sepultados, os nomes e feitos de tantos ilustres brasileiros, que honraram a pátria por suas letras e por seus diversos e brilhantes serviços? O desejo de dar vida a beneméritos, que o nosso descuido tem deixado mortos para a glória da pátria e para a estima do mundo, já se tem apoderado de alguns dos ilustres sócios deste nosso Instituto. Uma biografia dos mais preclaros brasileiros é tarefa, de certo, mui superior às forças de um só homem, atentas as nossas circunstâncias: mas a glória que deve resultar de tal empresa acende o zelo dos que a tem encetado em comunhão de trabalho, e refletirá também sobre o nosso Instituto porque são do seu grêmio os empreendedores da desejada biografia brasileira: e se a sua modéstia me priva de lhes dar os devidos louvores por uma obra de honra nacional, a justiça não sofre que eu deixe de publicar os seus nomes em crédito dos membros fundadores deste Instituto. Os ilustres Srs. Visconde de S. Leopoldo, Dr. Emílio Joaquim da Silva Maia e outros, já tem coligido muitos elementos para esse importante monumento literário; nem já se lhes quebra o ânimo de o levarem ao fim, pois que de nossa eficaz cooperação e zelo social resultará maior facilidade ao desempenho de seu nobre projeto.
14. Na vida dos grandes homens aprende-se a conhecer as aplicações da honra, a apreciar a glória e a afrontar os perigos, que muitas vezes são causas de maior glória. Diz o barão de Morogues:
O livro de Plutarco é uma excelente escola do homem, porque oferece em todos os gêneros os mais nobres exemplos de magnanimidade: ali se encontra descoberta toda a antiguidade, cada homem célebre ali aparece com seu gênio, com seus talentos, com suas virtudes e com a influência que exercera sobre seu século; ali se aprende como o gênio dá movimento a povos inteiros por suas leis, por suas conquistas, por sua eloquência; ali se conhece a sabedoria dos desígnios, umas vezes profundamente concebidos e amadurados pelos anos, outras vezes como inspirados, admitidos e executados a um só tempo com a energia que domina os maiores obstáculos; ali vidas brilhantes e mortes ilustres ensinam a amar a glória, a apreciar as suas causas, a prever os seus resultados, e a acautelarmo-nos daqueles perigos que a seguem como sombras, porque, diz M. Thomaz, ‘os homens que pesam sobre o universo também lutam com o seu próprio peso; logo após a glória acham-se frequentemente ocultos o desterro, o ferro e o veneno’.
15. E não oferecerá uma História verídica do nosso país essas lições, que tão profícuas podem ser aos cidadãos brasileiros no desempenho de seus mais importantes deveres? No período de pouco mais de três séculos não terão aparecido, neste fértil continente, varões preclaros por diversas qualidades, que mereçam os cuidados do circunspecto historiador, e que se possam oferecer as nascentes gerações como tipos de grandes virtudes? E deixaremos sempre ao gênio especulador dos estrangeiros o escrever a nossa história, sem aquele acerto que melhor pode conseguir um escritor nacional? Ah! O meu coração se dilata dentro no peito só à ideia de que este Instituto Histórico e Geográfico se ocupará desveladamente em erguer à glória do Brasil um monumento que lhe faltava, e do qual emanará não pequena honra aos que agora aqui reunidos se oferecem às vistas da nação como opífices do majestoso edifício da nossa História. O meu coração se dilata, sim, quando observo que a notícia da fundação deste Instituto mereceu o mais honroso acolhimento do público; acolhimento bem fácil de ser previsto pela distinta Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional, que pronta nos franqueou a sua respeitável proteção para levarmos a efeito a proposta que lhe havíamos submetido.
16. Os literatos de todo Brasil saberão, pela leitura de nossos estatutos, que os sócios deste Instituto não só meditam organizar um momento de glória nacional, aproveitando muitos rasgos históricos que dispersos escapam à voragem dos tempos, mas ainda pretendem abrir um curso de História e Geografia no Brasil, além dos princípios gerais, para que o conhecimento das coisas da pátria mais facilmente chegue à inteligência de todos os brasileiros. Este ramo de estudo, tão necessário à civilização dos povos, faltava aos nossos patrícios. Mas consolamo-nos de um tal descuido, porque também o célebre Rollin, nos tempos em que a França já muito florescia por suas letras, lastimava o sacrificar-se o estudo da História nacional ao de outras histórias antigas, como se só na Grécia ou em Roma tivessem aparecido fatos heroicos e varões prestantes, que merecessem ser imitados. Dizia o ilustre filólogo:
Eu estou bem longe de pensar que seja indiferente o estudo da História nacional; vejo com dor que ele tem sido desprezado por aqueles mesmos a quem fora útil, por não dizer indispensável. Confesso que pouco me tenho dado a ele, e envergonho-me de ser como estrangeiro em minha pátria, depois de haver corrido outros muitos países.
17. A nossa história abunda de modelos de virtudes; mas um grande número de feitos gloriosos morrem ou dormem na obscuridade, sem proveito das gerações subsequentes. O Brasil, senhores, posto que em circunstâncias não semelhantes às da França, pode contudo apresentar pela História, ao estudo e emulação de seus filhos, uma longa série de varões distintos por seu saber e brilhantes qualidades. Só tem faltado quem os apresentasse em bem ordenada galeria, colocando-os segundo os tempos e os lugares, para que sejam melhor percebidos pelo que anelam seguir os seus passos nos caminhos da honra e da glória nacional.
18. A empresa de alguns nossos escritores, que tem escrito sobre as coisas da pátria, não será perdida para o nosso Instituto. Desse Cabedal, dificilmente reunido nas províncias pelos incansáveis e distintos literatos Berredo, Rocha Pita, Bispo Azeredo, Monsenhor Pizarro, Frei Gaspar, Durão, Viscondes de Cairu e de S. Leopoldo, Conselheiro Baltazar Lisboa, Rebelo, Aires do Casal, L. Gonçalves dos Santos, Acioli, Bellegarde e outros muitos, se formará no nosso Instituto o corpo da História geral brasileira, acendrado pela filosofia de seus membros, e ligado em todas as suas partes pelas relações de seus fatos, afim de serem dignamente compreendidos.
19. Eu quisera, senhores, aproveitar-me deste ensejo para lembrar-vos o incansável zelo pela História e Geografia do Brasil de alguns dos literatos que honram a matrícula do nosso Instituto; mas, se me não é dado tributar-lhes agora os elogios de que são merecedores, eu devo, pelo menos, como órgão da voz pública e dos amigos da pátria, declarar com especialidade o nome do nosso honrado colega e meu particular amigo o general Cunha Mattos, injustiça fora, senhores, não fazer honrosa menção dos trabalhos históricos já por ele oferecidos ao público e agora mesmo ao nosso Instituto. Ouvistes ler a riquíssima memória sobre a navegação dos antigos e dos modernos, da qual resultara a descoberta da América, e também do Brasil; bem pouca meditação se precisa para se conhecer logo que o seu excelente trabalho forma à introdução da nossa História geral, em que há muito se ocupa o nosso distinto consócio. O seu zelo será de certo imitado por outros; e talvez que o ensaio de um dicionário geográfico brasileiro, com tanto trabalho empreendido pelo ilustre sócio o senador Costa Pereira, agora tome o seu necessário desenvolvimento, aproveitando-se o seu autor dos esclarecimentos que nos é permitido esperar de muitos pontos do império.
20. Desculpai-me, senhores, se na fraca exposição das vantagens que podem emanar da fundação do nosso Instituto, eu mais tive em vista a glória nacional, que sempre me faz bater o coração em peito brasileiro, do que a dificuldade das empresas a que nos endereçamos. Este majestoso edifício tem por fundamento o amor da pátria e o amor das letras.
21. Nós não seremos menos inflamados deste amor de que aqueles que, em outras nações, lhe tem inaugurado tão glorioso quanto útil monumento. O Brasil guarda nas entranhas de suas terras, e assim também nos peitos de seus filhos e sinceros amigos, tesouros preciosos, que devem ser aproveitados por meio de constantes e honrosas fadigas. Sem trabalho, sem persistência nas grandes empresas, jamais se conseguirá a glória que abrilhanta os nomes dos bons servidores da pátria. A Geografia é a luz da História, e a História, tirando da obscuridade as memórias da pátria, honra por isso mesmo aos que lhe consagram constantes desvelos. Eia, senhores, não esmoreçamos à vista das grandes dificuldades que sairão ao encontro dos nossos desígnios; fitemos os olhos no bem dos nossos patrícios, na glória da nossa nação, na nossa própria honra, e nós celebraremos todos os anos o dia aniversário do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, de que somos criadores, apresentando ao público relatórios dignos da sua atenção pelos úteis trabalhos que fizemos.
22. Seja-me ainda permitido terminar este discurso com uma invocação ao Eterno, tomada das palavras do santo Isaías:
E se Tu, Senhor, ateia, em luzeiro eterno, faíscas tuas já assomadas neste horizonte.
E sempre de face haja de encontrar-se nele a verdade.
Mimosas esperanças caminham em triunfo de molestas dificuldades.
O quanto, Senhor, Tu mudas em assento andamoso montanhas empunhadas!
Compraze-te em dar-lhe rego aberto, que engrosse o plantio por ti disposto.
(Trad. do bispo D. Frei Manuel do Cenáculo)
FIM
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